sábado, 9 de fevereiro de 2013

ARTIGO DE SÁBADO / Seca no Nordeste: O Descaso do Governo e as Ações Desastrosas


Uma cena icônica do sertão nordestino: pai, mãe e filhos, levando em uma trouxa de roupas e no lombo de um burro o pouco que lhe sobrou do desastre natural, da falta de chuvas e do descaso dos poderosos. Uma família fugindo da seca, em seu caminho sofrido em  direção ao litoral. Não, essa não é uma cena de um passado remoto. É o que passamos agora, neste momento.

Mais do que nunca, isto é algo a ser tratado. Pode ser quase inacreditável para você, caro leitor, que sempre teve água na torneira, que nunca teve que caminhar quilômetros em busca do ouro líquido de que todos necessitamos. Talvez até você, nordestino de nascença e coração, não saiba do que estou falando. Mas seus pais, seus avós e bisavós sabem muito bem. Todos sentiram na pele o quanto é terrível e feroz a ação da natureza desenfreada. Apesar de todos os avanços tecnológicos dos últimos três séculos (sim, desde a Revolução Industrial) não conseguimos nem sequer salvar algumas milhares de vidas. Como o Brasil, que se auto denomina a nação do futuro, a potência em desenvolvimento, deixa seus próprios filhos morrerem de... fome e sede? Não é essa a situação em países como Níger e Serra Leoa, as nações mais pobres do mundo? Não, o Brasil não é, nem nunca será o país do futuro, enquanto isso acontecer. Mas, de quem é a culpa? O que pode ser feito? Para entender isso, só com uma pequena análise histórica.

As primeiras secas registradas no Nordeste datam de meados do século XVI, o início da colonização portuguesa, quando a economia desta região era baseada na cana-de-açúcar. Podemos classificar a história nordestina, até meados do século XVII, como um período próspero. O Nordeste era a região mais rentável da colônia e todas as atenções da Coroa Portuguesa estavam voltadas para ela. Enquanto isso  a região Sudeste, hoje a mais importante do país, era exatamente o contrário; era a mais pobre da colônia, onde reinava o descaso. A importância da produção de cana no Nordeste era tão grande, que atraia a cobiça de outros países. Um desses era a Holanda. Após várias tentativas, os holandeses invadiram e conquistaram Pernambuco, o principal produtor de cana e ocuparam a região por vinte anos. Sejamos justos, os holandeses fizeram uma administração bem melhor que a dos portugueses. Construíram pontes, modernizaram vilas e melhoraram muito a produção. Tudo ia bem, até a seca chegou. Entre 1637 e 1638, o nordeste enfrentou sua primeira grande seca. Os animais morreram, as plantações de cana foram arruinadas e os fazendeiros contraíram imensas dívidas, levando a colônia holandesa ao colapso. O próprio governador Maurício de Nassau, largou o cargo diante disso.

Quando os holandeses foram expulsos, acabaram se instalando nas Antilhas, onde em pouco tempo implantaram a cana de açúcar e conseguiram ser bem sucedidos. Nesta época, com a concorrência internacional e as plantações arruinadas,  a economia do nordeste entrou em decadência. Nos anos que se seguiram, uma "maré de azar" tomou a região. Com a descoberta do ouro em Minas Gerais, em fins do século XVII, o eixo econômico e político do Brasil foi transferido para a região sudeste. A capital foi tirada de Salvador e levada para o Rio de Janeiro. Daí, o nordeste entrou em descaso, e ficou esquecido pelos governos que se sucederam no país por mais de duzentos anos. Entrava governo, saía governo, entrava monarquia, saía colônia, e a região continuava na mesma. Até houve tentativas de melhorar alguma coisa, mas todas falharam. Chegaram a ser enviados projetos de combate a seca ao Imperador D. Pedro II, mas nem chegaram a ser discutidos. Na década de 20, o presidente Epitácio Pessoa até tentou iniciar obras de transposição e combate aos efeitos da seca, mas também não saíram do papel.

Durante décadas, a seca fez vítimas. Não só da fome e da sede, mas também da exploração dos poderosos e do cangaço. Para se ter idéia em meados da década de 30, o governo do Ceará, temendo uma invasão de retirantes a capital Fortaleza, chegou a criar "campos de concentração" para impedir que mais gente fugisse do sertão. Isso mesmo, "campos de concentração" onde o trabalho forçado e a humilhação era um constante. Tristes quadros históricos. Hoje, o governo tem um proposta de transposição do rio São Francisco, uma ação concreta que realmente poderia salvar milhões de pessoas, mas um sonho que a cada dia fica mais distante. Será um dia poderemos dizer que não existe mais seca? Será que um dia poderemos dizer que o Brasil é um país desenvolvido onde as  pessoas não morrem de fome e sede? Bem, só nos cabe esperar.

Texto: Daniel Rodas

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